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25 de Abril de 2024

Pobre de quem não é cacique, nem nunca vai ser pajé

Na República Tupiniquim, reeditam as leis quando sua aplicação é destinada a poderosos e privilegiados.

Publicado por Perfil Removido
há 7 anos

O verso que intitula este escrito, de autoria de Zeca Baleiro, é entoado como refrão da música “minha tribo sou eu”. O seu conteúdo, devidamente interpretado, cabe com perfeição quando se consideram as relações políticas e institucionais da República nossa.

O julgamento da chapa eleitoral capitaneada pela ex-presidente impedida, Dilma Rousseff, e o atual mandatário, Michel Temer, evidencia os refinamentos hermenêuticos em favor de uns poucos.

Maior defensor da “responsabilidade” com que deveria se portar o Superior Tribunal Eleitoral, o Min. Gilmar Mendes deu-nos várias mostras de seu espírito institucional e republicano ao analisar casos jurídicos.

Agiu assim ao determinar aprofundamento (para não condenar) das investigações do financiamento da campanha eleitoral de 2014; ao suspender o depoimento do senador Aécio Neves, a 26 de abril deste ano (INQ 4244); ao realizar crítica ácida a procuradores da república, acusando-os de promover brincadeira juvenil por oferecer denúncia dos atos supostamente cometidos por José Dirceu em véspera do julgamento de mérito do HC 137728 (há lei para isto?); ao conceder liminar em Habeas Corpus determinando a soltura de Roger Abdelmassih no HC 102.098-MC/SP.

A República deve muito a sua excelência.

Deve muito mais por ter editado leis que, segundo o iluminado juízo de sua excelência, conduzem à conclusão de que ações judiciais investigatórias são concebidas tão somente para investigar, e não para subsidiar sanções.

Seria demais, bem sabemos, que investigações conduzissem à cassação do mandato do Presidente da República. Isto não é coisa que se admita em um estado democrático de direito. Seria uma genuína irresponsabilidade institucional. O respeito às leis constitucionais jamais poderá resultar em tão ultrajante despautério. Não é isto o que quer a Constituição. Definitivamente.

Como se estivesse a sussurrar lições do além-mundo, Ulisses Guimarães dizia-nos a 5 de outubro de 1988 que “ (...) democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos, não a do príncipe, que é unipessoal e desigual para os favorecimentos e os privilégios”.

Na República do Brasil, boa é a ventura dos amigos do (s) príncipe (s), caciques e pajés. A eles, ao que parece-me, as veredas das leis parecem ser mais largas, flexíveis, menos tortuosas.

Miro Teixeira, com o bravo ímpeto que deve nortear o exercício da advocacia, consignou palavras de advertência à Corte Suprema, no julgamento da ADPF 378, que buscava definir o rito processual do impedimento de Dilma Rousseff, de que relegaria-se ao descrédito absoluto os refinamentos hermenêuticos nas causas afetas a políticos ocupantes de relevantes cargos.

Disse naquela oportunidade:

Isso (o processo de impeachment) começou com cidadãos que acreditam na Constituição e nas leis do Brasil.

Algumas denúncias chegaram à Câmara dos Deputados. Três delas atualmente tramitam.

Esses cidadãos, Janaina, Reale, Bicudo, de tantas lutas lá atrás, lutas com Lula, lutas pela liberdade e pela democracia, será que (eles) são conspiradores, golpistas?

Não são.

Eu não assinaria a petição deles, repito, mas eles têm o direito, assegurado pela lei, de denunciar perante o Congresso o Presidente da República.

E no dia que os cidadãos desconfiarem que esses refinamentos possam ser feitos para lhe retirar os direitos, a panela de pressão vai ter essa rolha bem apertada. E talvez dessa judicialização bendita, se retorne à justiça feita pelas próprias mãos. (grifei)

O destaque é oportuno à medida que deixa em evidência a percepção geral do julgamento das AIJE 194358, AIME 761 e RP 846.

Se teimarmos em permanecer neste rumo, tudo será possível nesta república tropical. Expediremos a torto e direito cheques em branco, qualquer que sejam as circunstâncias e regras legais.

A instrumentalidade processual, vimos, serviu de muro à aplicação do direito, faculdade esta disponível a poucos. Pouquíssimos.

Neste pandemônio institucional que se convolou esta sofrida república, cada dia levamos um tiro que sai pela culatra, como diz outra música que melhor nos expressa[1]. Afinal de contas, não somos 210 milhões de ministros, nem magnatas (da JBS?). Somos do povo. Somos Zé’s ninguéns.

Para nós, as leis são diferentes.

Leis? Que leis?

Insisto em cantarolar a música:

“ai ai ai ai ai

ié ié ié ié ié

pobre de quem não é cacique

nem nunca vai ser pajé”

São Luís, 09 de junho de 2017.

Marcel Reis Monroe.


[1] Zé Ninguém, de Biquíni Cavadão.

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